segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A POLÍTICA CRIMINOSA





*Por Denis Lerrer Rosenfield 




A prisão do senador Delcídio Amaral, ordenada pelo Supremo Tribunal Federal, e, depois, confirmada pelo Senado suscita uma série de questões que dizem respeito ao desenlace da atual crise. Agora, um fato novo vem à tona. Ele recoloca com força o problema de um governo que já acabou, embora a presidente relute em reconhecer esse fato que se impõe a todos os que pretendem ver a realidade. Parece que o país petista conseguiu ir além de qualquer limite, como se a impunidade e a corrupção fossem simples “regras” que deveriam ser seguidas.

O que imediatamente salta aos olhos é uma imensa crise de valores do mundo político e de setores do empresariado, em franca dissonância com os anseios da sociedade brasileira. O lulopetismo estabeleceu a corrupção como modo mesmo de governar, fazendo da impunidade um tipo de conduta que deveria ser seguido por todos. Os valores estão se esfacelando, como se não fossem mais fatores essenciais de coesão social.

Não seria, pois, de espantar o descrédito de que hoje goza a classe política, descrédito esse amplificado pelo fato de o PT, antanho “partido da ética”, simplesmente afirmar que essas coisas são “naturais”. Imaginem as pessoas que vivem com poucos salários-mínimos ou estão desempregadas vendo-se diante de um quadro de corrupção que consome milhões e, mesmo, bilhões de reais. A indignação e a desconfiança são, então, meras consequências.

A política petista pertence, hoje, à crônica policial. Uma política desprovida de qualquer pudor e sem nenhum valor moral tomou conta da cena pública, como se tudo fosse simplesmente válido para a conservação do poder. Limites éticos foram simplesmente desconsiderados. Ser “progressista” significaria, nada mais, do que ser conivente com o crime, incentivador deste, em nome dos “valores” superiores da esquerda e do socialismo.

Ora, o resultado de tal política carente de moralidade é o crime como modo mesmo de governar. A política tornou-se criminosa por sua completa ausência de ética, uma política sem freios de qualquer espécie. Note-se que os escândalos da época petista simplesmente se repetem e ganham novas dimensões. O senador Delcídio Amaral somente escancarou o caráter propriamente mafioso desta política, com a franqueza de uma conversa voltada para a obstrução da Justiça, que possibilitaria a fuga de um profundo conhecedor da política criminosa. Ele não seria o único beneficiário.

O senador procurou salvar-se, procurou salvar o seu banqueiro financiador. A presidente foi também citada por estar supostamente envolvida no escândalo de Pasadena. Pensou, sobretudo, nele, porém sem esquecer os desdobramentos políticos dos casos em que esteve envolvido. A política criminosa está se aproximando da própria presidente, além de já ter atingido o ex-presidente Lula, por intermédio de pessoas próximas como o empresário/amigo José Carlos Bumlai. Em um país que primasse pela moralidade pública e pela acepção mais elevada da política, a presidente já teria renunciado e seu criador, desde já, estaria prestando contas à Justiça.

Neste contexto de política criminosa, não deixa de surpreender a votação do Senado, de 59 votos contra 13 e 1 abstenção, pela manutenção da prisão do senador Delcídio Amaral. Isso porque vários destes senadores possuem investigações em curso no próprio STF, investigações essas que podem vir a comprometer os seus respectivos mandatos.

Ocorreu um fenômeno semelhante quando do impeachment do ex-presidente Collor, em que parlamentares com problemas com a Justiça terminaram por votar favoravelmente à sua saída. Não o fizeram por virtude ou por moralidade, mas premidos pelas circunstâncias, ciosos de conservar a sua própria imagem, por mais desfigurada que estivesse. Há, aqui, uma espécie de contribuição que o vício paga à virtude.

Isto, contudo, só foi possível graças à ampla repercussão obtida pelo áudio da gravação nos diferentes meios de comunicação. Criou-se um ambiente público de maior intolerância com a corrupção e com os políticos, fazendo com que os senadores pensassem duas vezes antes de tentarem empreender uma qualquer absolvição do senador Delcídio Amaral.

Senadores comprometidos com a moralidade, seja em foro íntimo, seja por imposição das circunstâncias públicas, terminaram se decidindo pelo voto aberto neste julgamento. Trata-se, aqui, de uma condição da maior relevância, na medida em que obriga os senadores a uma prestação de contas pública de seus mandatos, devendo se justificar perante os seus eleitores. Neste sentido, a votação preliminar pelo voto aberto foi da maior importância, oferecendo aos cidadãos brasileiros uma transparência política que contrasta tão flagrantemente com o caráter “oculto” da política criminosa.

Um dado particularmente surpreendente de todo esse episódio foi a nota da presidência do PT, na pessoa de Ruy Falcão, dessolidarizandose com o senador Delcídio Amaral. Vaccari, Delúbio, Zé Dirceu e João Paulo Cunha, entre outros, são considerados até hoje “guerreiros do povo brasileiro” por terem cometido atos criminosos em nome do partido. Reconheceram a política criminosa por eles mesmos inventada. Ora, o senador nada mais fez do que os outros fizeram, repetindo um comportamento padrão, em que os interesses partidários e pessoais se misturam tão intimamente. Resta saber se permanecerá calado, sofrendo em sua solidão. Se falar, concluirá o trabalho de desmoronamento da República petista.

O ex-presidente Lula não ficou atrás. Ao tomar conhecimento da gravação do Senador Delcídio Amaral, declarou que este seria “imbecil”, teria feito uma “burrada”. Não fez qualquer juízo moral, porém se contentou em dizer que não seguiu a habilidade própria da política criminosa, baseada no acobertamento. Considerou-o como não inteligente e não como imoral, injusto ou criminoso. Eis o seu padrão da “política”. O Brasil é o que menos importa para ele e para os seus companheiros.


Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Fonte: O GLOBO


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