domingo, 7 de agosto de 2016

O ‘NOVO’ MAL-ESTAR NA GLOBALIZAÇÃO


Por Joseph E Stiglitz


Grandes segmentos da população nos países avançados não estão em melhores condições
 


Há 15 anos, escrevi um pequeno livro chamado “Globalization and its Discontents” (“O mal-estar na globalização”), em que descrevia uma crescente oposição às reformas globalizantes nos países em desenvolvimento. Parecia um mistério: prometeram às pessoas nas nações emergentes que a globalização aumentaria o bem-estar geral. Então, por que tanta gente se tornara hostil a ela?

Agora, se somaram aos opositores da globalização nos países emergentes e em desenvolvimento dezenas de milhões nos países desenvolvidos. Pesquisas de opinião, inclusive um cuidadoso levantamento feito por Stanley Greenberg e seus associados para o Instituto Roosevelt, mostram que o comércio está entre as maiores fontes de descontentamento para uma grande parcela dos americanos. Visões similares aparecem na Europa.

Como é possível que seja tão mal visto algo que nossos líderes políticos — e muitos economistas — disseram que deixaria a todos em melhores condições?

Uma resposta que se ouve de economistas neoliberais que defenderam essas políticas é que as pessoas estão em melhores condições. Elas simplesmente ignoram isso. Seu malestar é questão para psiquiatras, em vez de economistas.

Porém, dados sobre renda sugerem que são os neoliberais que podem se beneficiar de uma terapia. Grandes segmentos da população nos países avançados não estão em melhores condições: nos EUA, os 90% mais pobres enfrentam uma estagnação da renda há 25 anos. A renda média dos trabalhadores homens em horário integral é atualmente menor em termos reais (considerada a inflação) do que era há 42 anos. Na base da pirâmide, os salários reais são comparáveis aos níveis de 60 anos atrás.

Os efeitos do dissabor econômico e desestruturação que muitos americanos estão vivendo aparecem até mesmo nas estatísticas de saúde. Por exemplo, os economistas Anne Case e Angus Deaton, este vencedor do Prêmio Nobel de 2015, mostraram que a expectativa de vida no segmento de americanos brancos está caindo.

As coisas estão um pouco melhores na Europa — mas só um pouco.

O novo livro de Branko Milanovic, “Global Inequality: A New Approach for the Age of Globalization” (“Desigualdade global: Uma nova abordagem para a era da globalização”) fornece alguns insights vitais, ao mirar nos grandes vencedores e perdedores em termos de renda em duas décadas, entre 1988 e 2008. Entre os grandes vencedores está o 1% global da plutocracia mundial, mas também a classe média em novas economias emergentes. Entre os grandes perdedores — aqueles que ganharam pouco ou nada — estão aqueles na base da pirâmide e as classes média e trabalhadora dos países desenvolvidos. Globalização não é a única razão, mas é um dos motivos.

Considerando-se uma situação ideal, o mercado livre equilibraria os salários dos trabalhadores sem qualificação em todo o mundo. O comércio de bens é um substituto para o deslocamento de pessoas. Importar bens da China — que requerem um grande número de trabalhadores sem qualificação para serem produzidos — reduz a demanda por trabalhadores sem qualificação em Europa e EUA.

Esta força é tão poderosa que, se não houvesse custos de transporte, e os EUA e a Europa não tivessem outra fonte de vantagens competitivas, tais como tecnologia, no fim seria como se os trabalhadores chineses continuassem imigrando para os EUA e a Europa até que as diferenças salariais tivessem sido completamente anuladas. Não é de estranhar que os neoliberais nunca tenham divulgado esta consequência da liberalização comercial que apregoavam beneficiar a todos.

O fracasso da globalização em entregar as promessas dos políticos de plantão atingiu a confiança no “sistema”. E as ofertas generosas dos governos para resgatar os bancos responsáveis pela crise financeira de 2008, enquanto deixaram os cidadãos comuns à própria sorte, reforçaram a visão de que o fracasso não era mera questão de equívocos econômicos.

Nos EUA, os republicanos no Congresso até mesmo se opuseram à assistência daqueles diretamente atingidos pela globalização. De um modo geral, os neoliberais, aparentemente preocupados com os efeitos adversos dos incentivos, se opuseram a medidas de bem-estar social que protegeriam os perdedores.

Mas não se pode ter tudo: se a globalização é para beneficiar a maior parte da sociedade, medidas robustas de proteção social devem ser implementadas. Os escandinavos compreenderam isso há muito tempo; faz parte do contrato social que manteve a sociedade aberta à globalização e às mudanças tecnológicas. Os neoliberais de outros lugares não tiveram a mesma compreensão — e, agora, estão sendo punidos nas eleições nos EUA e na Europa.

A globalização, evidentemente, é apenas parte do que está acontecendo. A renovação tecnológica é outra parte. Mas toda essa abertura deveria ter nos tornado mais ricos, e os países avançados poderiam ter implementado medidas que garantissem que os ganhos fossem amplamente compartilhados.

Em vez disso, empurraram políticas que reestruturam os mercados elevando a desigualdade e minando a performance econômica geral. O crescimento desacelerou à medida que as regras do jogo foram reescritas para estimular interesses de bancos e corporações — os ricos e poderosos — às custas do resto.

A mensagem principal em “Globalization and its Discontents” era que o problema não era a globalização, mas como o processo estava sendo administrado. Infelizmente, a administração não mudou. Quinze anos mais tarde, o novo mal-estar trouxe essa mensagem de volta aos países desenvolvidos.


*Joseph E. Stiglitz é Prêmio Nobel de Economia, é professor da Universidade de Columbia ( EUA) e economista-chefe do Instituto Roosevelt.

Fonte: O Globo de 07/08/2016


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