sexta-feira, 23 de outubro de 2015

IMIGRANTES E RECESSÃO


* Por Leonardo Cavalcanti

 Durante o primeiro quinquênio desta década, período no qual o Brasil tinha uma taxa de crescimento positiva, o país teve um aumento de imigrantes no trabalho formal, especialmente de pessoas do Sul Global (haitianos e senegaleses, entre outros). No período, o número de imigrantes empregados, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), passou de 69.015, em 2010, para 155.982, em 2014, crescimento de 126,01%. No entanto, a atual recessão econômica torna o cenário migratório mais complexo.
Em contextos de crise, o mercado de trabalho passa a ser fundamental para a magnitude e a direção dos fluxos migratórios. Um caso ilustrativo é a experiência da Espanha, o segundo país que mais recebeu estrangeiros na década passada no mundo ocidental, de acordo com os dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), ficando atrás somente dos Estados Unidos. Naquele país, o mercado de trabalho tinha um nicho de atividades que demandava imigrantes em áreas como a da construção, da agricultura e serviços. Com a crise econômica e o desaquecimento do mercado de trabalho, a relação emigração/ imigração começou a apresentar saldo negativo.
No entanto, vincular as migrações, única e exclusivamente, a uma vertente econômica ou ao mercado de trabalho é incorrer em uma limitação teórica e política, pois as migrações não se dão unicamente por uma lógica economicista, no sentido da atração e expulsão (push and pull) como entendia a perspectiva neoclássica das migrações. A atual recessão econômica não implica, necessariamente, que o Brasil deixará de receber imigrantes. Com a desvalorização cambial, as empresas que se situam no final da cadeia produtiva do agronegócio — aquelas que mais empregam imigrantes no sul do país — podem ter as exportações ampliadas e a demanda por esses trabalhadores pode continuar.
Com o aumento da imigração do Sul Global no Brasil e o atual cenário de crise, o país é desafiado a pensar em política migratória e seria um desacerto reduzir os imigrantes a uma simples força de trabalho disponível à reprodução do capital. Como também seria um equívoco desconsiderar a função produtiva e o impacto na economia da população migrante. A junção entre mercado de trabalho e proteção dos direitos dos imigrantes aponta para um caminho mais realista e eficaz na gestão das migrações na atualidade.
O conhecimento rigoroso do fenômeno migratório é o primeiro passo para poder pensar políticas públicas adequadas. Por isso, os pesquisadores do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) apresentaram à sociedade, na Câmara dos Deputados, os dados sobre a presença dos imigrantes no Brasil. O momento é oportuno, já que o Parlamento discute um novo marco legal para as migrações no Brasil.
Leonardo Cavalcanti é professor da Universidade de Brasília e coordenador do Observatório das Migrações Internacionais
 
 
CAVALCANTI, Leonardo. Imigrantes e recessão. O Globo, Rio de Janeiro, 23 out. 2001, Opinião, p. 14..
 
 
 

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